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Revisão das 19h35min de 5 de março de 2020
A palavra gênero, originada do latim genus (classe, tipo), ganhou vários significados através dos séculos, e especialmente durante as últimas décadas. Existe um debate significativo entre grupos ideológicos que querem ressaltar a importância de uma definição particular da palavra.
As palavras feminino e masculino são normalmente associadas com o conceito de gênero, em oposição às palavras fêmea e macho, que são mais comumente associadas à sexo, apesar de todas essas palavras e conceitos serem frequentemente confundidas pelo público geral.
Definições originais
Gênero gramatical
Definições de gênero mais antigas e majoritariamente não-políticas incluem gênero gramatical, que é simplesmente a divisão de determinadas palavras de certas línguas em duas ou mais categorias para explicitar o gênero (presumido) de um objeto, ou a falta deste. Essa generização das palavras é às vezes aplicada de modo um tanto sem sentido, como no alemão e no francês, onde todos os tipos de objetos inanimados - de móveis até a planetas - recebem um gênero, enquanto algumas palavras verdadeiramente específicas quanto a sexo podem, surpreendentemente, ter um gênero neutro, como mädchen, a palavra em alemão para "garota", que recebe gênero neutro apesar de que palavras como "mulher", "garoto" e "homem" possuírem gênero em concordância com o sexo do ser humano ao qual elas correspondem. Referências para o gênero gramatical parecem datar do século XIV.
As palavras feminino e masculino são frenquentemente utilizadas para se referirem a gêneros gramaticais, apesar de que termos como pronomes femininos e pronomes masculinos também sejam comumente utilizados para se referirem a construtos gramaticais.
Sinônimo de sexo
Outra definição antiga e majoritariamente não-política de gênero é como sinônimo de sexo, isto é, à categorização de um organismo com respeito ao seu papel na reprodução binária. Esse uso da palavra é popular presumivelmente por causa das conotações vulgares que a palavra "sexo" pode parecer admitir. O uso de "gênero" como sinônimo de "sexo" parece datar desde o século XV, e pode ser encontrada até mesmo em textos acadêmicos que claramente lidam com uma categorização reprodutiva de organismos estritamente baseada na biologia.
De maneira similar ao uso de gênero para denotar sexo, as palavras "feminino" e "masculino" também são às vezes utilizadas como aproximações de "fêmea" e "macho". Na biologia, não é incomum ouvir termos como "feminização" e "masculinização" quando se referindo aos desenvolvimentos anatômicos associados com os sexos feminino e masculino. Como outro exemplo, o eufemismo produtos de higiene da mulher é frequentemente usado para referir-se a produtos de higiene menstrual, mesmo que estes estejam claramente relacionados ao sexo feminino.
Mudanças recentes
Na década de 1950, o psicólogo John Money começou a introduzir definições alternativas de gênero em seus textos, em particular em termos como papel de gênero e identidade de gênero. Essa pode ser a origem do entendimento de gênero como construção social, apesar de as teorias de Money não serem necessariamente compatíveis com as interpretações contemporâneas desse conceito.
O significado de gênero como construção social é a compreensão de que palavras como "mulher" e "homem" (e também "garota" e "garoto") não induzem meramente ao pensamento de um ser humano que é do sexo feminino ou masculino. Ao invés disso, ao ouvir essas palavras (ou as suas traduções para outra linguagem), é provável que alguém imagine uma pessoa que não só pertence a uma determinada categoria anatômica de sexo, mas que também obedece a certas expectativas com relação a vestimenta, fala, comportamento, e assim por diante. Por exemplo, ao ouvir a palavra "mulher", é mais provável que alguém pense numa pessoa com cabelos compridos e talvez de vestido, mesmo que ambos esses "marcadores de gênero" não tenham nenhuma relação com a anatomia feminina. Como tais, eles são entendidos como parte da construção social de gênero, que é separada dos fatos anatômicos de se ser fêmea ou macho.
A partir do ponto em que se reconhece gênero como uma construção social, há pelo menos duas teorias concorrentes em relação a como a natureza mais profunda de gênero evoluiu: gênero como uma ferramenta de opressão baseada no sexo e gênero como uma identidade inata.
Em relação a esses desenvolvimentos, as palavras "feminino" e "masculino" também receberam significados que enfatizam mais fortemente o aspecto estereotipado da construção social de gênero. A feminilidade pode referir-se a um estilo pessoal que inclui cabelos compridos, vestidos, a cor rosa, expressões mais delicadas etc., enquanto masculinidade pode referir-se ao estilo pessoal oposto.
Gênero como uma ferramenta de opressão
De acordo com a teoria feminista, em particular à segunda onda de feminismo radical, a contrução social de gênero tornou-se um sinônimo aproximado dos papéis e estereótipos impostos forçosamente às mulheres e que servem para manter intacta a sua posição inferior numa sociedade dominada por homens. Acredita-se que os traços de personalidade associados com mulheres sejam inteiramente mitos ou "profecias autorrealizáveis", que são estabelecidas através da socialização durante anos de crianças do sexo feminino para os papéis de "garota direita" e, após isso, de mulher. Esses traços de personalidade atribuídos a mulheres e meninas podem incluir alguns aspectos positivos, como graça e bondade, mas que, combinados com a expectativa de passividade e docilidade, levam homens a conseguirem explorar facilmente o trabalho e corpo femininos.
A compreensão feminista de gênero como construção social é datada de antes do uso dessa palavra por John Money em seus trabalhos. Em seu livro de 1949 O Segundo Sexo, Simone de Beauvoir celebremente falou de como não se nasce, mas se torna mulher (volume II, parte um, capítulo 1). No livro, a autora elabora as maneiras nas quais as forças da sociedade levam as pessoas do sexo feminino a tornarem-se "mulheres", da maneira como a sociedade espera delas. Apesar de Beauvoir não mencionar explicitamente uma "separação entre sexo e gênero", como é comumente ouvido em círculos feministas na atualizade, ou ter usado de alguma outra forma a palavra "gênero" da maneira descrita aqui, a sua análise parece, não obstante, abranger o mesmo conceito.
Andrea Dworkin, em seu livro Our Blood, escreve o seguinte sobre o "sistema de polaridade de gênero":
"... Fiz essa distinção entre verdade e realidade de forma a permitir-me dizer algo muito simples: que enquanto o sistema de polaridade de gênero é real, ele não é verdadeiro. Não é verdade que há dois sexos que são distintos e opostos, que são polares, que unem-se natural e evidentemente num inteiro harmonioso. Não é verdade que o masculino encorpora ambas as qualidades e potencialidades humanas positivas e as neutras, em contraste com o feminino que é feminino, de acordo com Aristóteles e toda a cultura masculina, "por virtude de uma certa ausência de qualidades". E uma vez que não aceitamos a noção de que homens são positivos e mulheres negativas, estamos essencialmente rejeitando a noção de que há homens e mulheres em absoluto. Em outras palavras, o sistema baseado nesse modelo polar de existência é absolutamente real; mas o modelo em si não é verdadeiro. Estamos vivendo aprisionados dentro de uma desilusão perniciosa, uma desilusão na qual toda realidade como conhecemos é predicada.
No meu ponto de vista, aqueles de nós que são mulheres dentro desse sistema de realidade nunca serão livres até que a desilusão da polaridade sexual seja destruída e até que o sistema de realidade baseado nela seja inteiramente erradicado da sociedade humana e da memória humana. Essa é a noção de transformação cultural no cerne do feminismo. Essa é a possibilidade revolucionária inerente à luta feminista."
Uma leitura ingênua tanto de Beauvoir quanto de Dworkin pode levar à confusão se alguém for levado a acreditar que os seus escritos estão de acordo com a teoria de "identidade de gênero" contemporânea. Dworkin, por exemplo, escreve que "não é verdade que há dois sexos que são distindos e opostos". É possível dar-se diversas interpretações ao trecho "...que são distintos e opostos". Estaria ela negando a binariedade do sexo reprodutivo? Ou estaria meramente opondo a noção de que mulheres e homens são criaturas distintas e opostas de maneira bem além das suas características reprodutivas? Ambas as autoras frequentemente mencionam a anatomia feminina em relação às experiências de opressão feminina. Por exemplo, no mesmo capítulo em que o trecho supracitado foi retirado, Dworkin fala de DIUs para o controle feminino de natalidade, e do clitóris como origem do prazer sexual feminino. Como tal, a compatibilidade da sua teoria com a teoria de identidade de gênero contemporânea é um tanto questionável. Em nenhum dos trabalhos de Dworkin ou Beauvoir há alguma menção a uma pessoa do sexo masculino ser ou tornar-se uma mulher.
Gênero como uma identidade inata
(Esta seção precisa de elaboração.)
A maior parte dos ativistas transgênero usam gênero para referir-se a uma identidade supostamente essencial e inerente do ser humano e que determina se uma pessoa é uma "mulher" ou um "homem" (ou outra coisa), sem nenhuma relação com as suas capacidades reprodutivas.
Teorias em torno dessa noção são frequentemente associadas com a teoria queer, que por sua vez é baseada na filosofia pós-estruturalista. Escritos baseados nessas ideologias tendem a ser de uma leitura um tanto difícil de ser entendida (às vezes, discutivelmente, numa tentativa do autor parecer mais sofisticado do que de fato é), e frequentemente não possuem conclusões completamente claras. Pode ser por isso que até mesmo entre os ativistas transgêneros parece não haver um consenso quanto a algumas questões que podem ser consideradas de importância central, como: a identidade de gênero é inata e imutável, ou trata-se de uma escolha pessoal? Se for imutável, porque algumas pessoas mudam de ideia quanto às suas identidades várias vezes, e como elas podem ser testadas de maneira objetiva? Se houver medidas objetivas de identidade de gênero, quais são elas, se não forem uma identificação com estereótipos sexistas de feminilidade e masculinidade? Por exemplo, a disforia de gênero é uma condição necessária para alguém ser considerado "verdadeiramente" transgênero? Se ela for baseada em critérios puramente subjetivos, como ela pode ter efeito sobre um sistema de opressão objetivo e material que afeta as pessoas desde o nascimento? Se uma pessoa decidir que possui uma "identidade de gênero feminina" quer dizer que essa pessoa de fato sempre foi uma garota/mulher, isso significa que ela nunca se beneficiou do provilégio masculino, mesmo se tiver vivido mais de 40 anos como um homem? Se uma "identidade de gênero feminina" já faz de uma pessoa uma mulher, isso significa que mudanças corporais são de fato desnecessárias? Significa que uma pessoa alta e de ombros largos com barba, uma voz grave, pelos corporais abundantes e genitais masculinos intactos pode, ainda assim, ser considerada do sexo feminino? Essa pessoa pode então ter direito de acesso a locais exclusivamente femininos, sem nenhuma restrição?
A falta de vontade ou incapacidade de ativistas transgênero de responderem a essas questões (ou, alternativamente, as respostas absurdas que eles fornecem, na tentativa de serem consistentes com a sua própria ideologia) levou muitas feministas a se sentirem desiludidas com o movimento transgênero e a começarem a vê-lo como incompatível com o feminismo. O fato de que mulheres que começam a levantar vozes críticas são frenquentemente recebidas com evidente hostilidade e exclusão piorou essa situação. Atualmente, muitos grupos e organizações feministas começaram a ver "identidade de gênero" como um sistema de crenças misógino e que deveria ser abertamente contestado.
Leitura recomendada
- Sexo e Gênero - Um Guia para Iniciantes por Rebecca Reilly-Cooper (em inglês)
- O projeto de lei C-16 interpreta mal o que é gênero e como ele prejudica as mulheres sob o patriarcado por Meghan Murphy (em inglês)
- Defendendo o 'TERF': Gênero como política por C. K. Egbert (em inglês)